quarta-feira, 27 de julho de 2011

"Canção" - Poema de Cecília Meireles





Canção 


Pus o meu sonho num navio 
e o navio em cima do mar; 
— depois, abri o mar com as mãos, 
para o meu sonho naufragar. 

Minhas mãos ainda estão molhadas 
do azul das ondas entreabertas, 
e a cor que escorre dos meus dedos 
colore as areias desertas. 

O vento vem vindo de longe, 
a noite se curva de frio; 
debaixo da água vai morrendo 
meu sonho, dentro de um navio... 

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo 
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.


Cecília Meireles, in 'Viagem' 

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