quarta-feira, 19 de outubro de 2011

"Sou de vidro" - Poema de Lídia Jorge


Ron Hicks (1965, American Impressionist painter), Café Kiss



Sou de vidro


Meus amigos sou de vidro 
Sou de vidro escurecido 
Encubro a luz que me habita 
Não por ser feia ou bonita 
Mas por ter assim nascido 
Sou de vidro escurecido 
Mas por ter assim nascido 
Não me atinjam não me toquem 
Meus amigos sou de vidro 

Sou de vidro escurecido 
Tenho fumo por vestido 
E um cinto de escuridão 
Mas trago a transparência 
Envolvida no que digo 
Meus amigos sou de vidro 
Por isso não me maltratem 
Não me quebrem não me partam 
Sou de vidro escurecido 

Tenho fumo por vestido 
Mas por assim ter nascido 
Não por ser feia ou bonita 
Envolvida no que digo 
Encubro a luz que me habita. 


Lídia Jorge


Lídia Jorge


Lídia Jorge, romancista e contista portuguesa nasceu a 18 de junho de 1946, em Boliqueime, no Algarve. Licenciada em Filologia Românica e professora do ensino secundário, ensinou em Angola e Moçambique antes de se fixar em Lisboa. Para além de exercer a docência, dedicou-se também à publicação regular de artigos na imprensa e foi membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Ficcionista, a quem tem sido apontada a influência do realismo mágico latino-americano, cada romance de Lídia Jorge é um romance, isto é, introduz a novidade relativamente ao que o precede, ao nível da construção romanesca, da linguagem e do contexto, pelo que uma panorâmica sobre a obra ficcional da autora deve acima de tudo destacar a capacidade de aperfeiçoamento dos materiais narrativos, a sua adaptação a uma temática sempre renovada, embora inserida numa tendência ampla para reflexão sobre as várias dimensões do Portugal pré e pós revolucionário. Revelou-se com O Dia dos Prodígios, romance, onde a linguagem oral, dotada de mais sugestividade pelo recurso frequente ao discurso indireto livre e à liberdade de pontuação, permite a evocação de um mundo rural perdido, numa ficção que integra processos de desconstrução narrativa, que tem como objeto a construção de uma perspetiva irónica sobre a utopia revolucionária, apreendida pelo ponto de vista dos habitantes de uma aldeia, Vilamaninhos, onde as coordenadas de estagnação, pureza, ingenuidade se conjugam com um fantástico quotidiano.

Sara Tavares - Ponto de Luz



"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem." - Rubem Alves, 2002 
 

[Rubem Alves,  nasceu no dia 15 de setembro de 1933, em Boa Esperança, sul de Minas Gerais, naquele tempo chamada de Dores da Boa Esperança. A cidade é conhecida pela serra imortalizada por Lamartine Babo e Francisco Alves na música "Serra da Boa Esperança". 
Psicanalista, educador, teólogo e escritor brasileiro, é autor de livros e artigos abordando temas religiosos, educacionais e existenciais, além de uma série de livros infantis.]


Pintura de Ron Hicks


"Cada um de nós é uma lua e tem um lado escuro que nunca mostra a ninguém."

[Estados Unidos, 1835-1910, Escritor, Autor, Humorista]
 

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