segunda-feira, 21 de novembro de 2011

"Mãe, eu estou tão cansado" - Poema de José Jorge Letria


Sir John Lavery (Northern Irish painter, 1856–1941), Self-Portrait, 1928.
National Museums Northern Ireland
 
 

Mãe, eu estou tão cansado 


Mãe, eu estou tão cansado e sinto nos ossos 
o chamamento da água, o chamamento sibilino 
que se confunde com o ranger das portas das casas 
onde jamais voltarei: venha veloz o sono capaz 
de me resgatar e que dentro dele se perfilem 
as sombras e os gestos, exército dos meus medos 
mais secretos, temores enrodilhados na roupa húmida 
das camas. Mãe, a luz não se demora no meu quarto, 
morre nas corolas das flores que trouxeste 
para o riso não murchar, e eu fico doente só de olhar 
os muros onde a hera é espiral de espanto, raiz 
de uma enfermidade latente. Não voltarei 
às actas do desespero, que são sombrias e magras 
como os corpos dos amantes que definham sobre a areia 
na fúria da maré, com uma gramática de murmúrios 
escondida na solidão branca das dunas, mãe. 


José Jorge Letria, in "Actas da Desordem do Dia"
 
 
 
   Sir John Lavery, On the Riviera / The Honeymoon, 1921 


Quietude profunda —
De quando em quando uma brisa
e a queda de pétalas.

Teruko Oda
 (Haicai / Haikai / Haiku)
 

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