quarta-feira, 9 de novembro de 2011

"Mataram a Tuna" - Poema de Manuel da Fonseca


Léon Joseph Voirin, A summer's day, Nancy



Mataram a Tuna


Nos Domingos antigos do bibe e pião 
saía a Tuna do Zé Jacinto 
tangendo violas e bandolins 
tocando a marcha Almadanim. 

Abriam janelas meninas sorrindo 
parava o comércio pelas portas 
e os campaniços de vir à vila 
tolhendo os passos escutando em grupo. 
Moços da rua tinham pé leve. 
o burro da nora da Quinta Nova 
espetava orelhas apreensivo 
Manuel da Água punha gravata! 
Tudo mexia como acordado 
ao som da marcha Almadanim 
cantando a marcha Almadanim. 

Quem não sabia aquilo de cor? 
A gente cantava assobiava aquilo de cor... 
(só a Marianita se enganava 
ai só a Marianita se enganava 
e eu matava-me a ensinar...) 
que eu sabia de cor 
inteirinha de cor 
e para mim domingo não era domingo 
era a marcha Almadanim! 

Entanto as senhoras não gostavam 
faziam troça dizendo coisas 
e os senhores também não gostavam 
faziam má cara para a Tuna: 
- que era indecente aquela marcha 
parecia até coisa de doidos: 
não era música era raiva 
aquela marcha Almadanim. 

Mas Zé Jacinto não desistia. 
Vinha domingo e a Tuna na rua 
enchendo a rua enchendo as casas. 
Voavam fitas coloridas 
raspavam notas violentas 
rasgava a Tuna o quebranto da vila 
tangendo nas violas e bandolins 
a heróica marcha Almadanim!

Meus companheiros antigos do bibe e pião
agora empregados no comércio 
desenrolando fazenda medindo chita 
agora sentados 
dobrados nas secretárias do comércio. 
cabeças pendidas jovens-velhinhos 
escrevendo no Deve e Haver somando somando 
na vila quieta 
sem vida 
sem nada 
mais que o sossego das falas brandas... 
- onde estão os domingos amarelos verdes azuis encarnados 
vibrantes tangidos bandolins fitas violas gritos 
da heróica marcha Almadanim?! 

Ó meus amigos desgraçados 
se a vida é curta e a morte infinita 
despertemos e vamos 
eia! 
vamos fazer qualquer coisa de louco e heróico 
como era a Tuna do Zé Jacinto 
tocando a marcha Almadanim!




Sem comentários: