quarta-feira, 2 de novembro de 2011

"Para os livros, cujo perfume" - Poema de Cecília Meireles


Alfred Stevens, Portrait of a young lady, 1906



Para os livros, cujo perfume


Para os livros, cujo perfume
de campo e verniz fascinava
meus olhos e meu pensamento,
não tenho tempo.

Para a flor, o linho, a ramagem,
a cor, que me arrastavam como
por um bosque múrmuro e denso,
não tenho tempo.

Nem para o mar, nem para as nuvens,
nem para a estrela que adorava
não tenho, não tenho, não tenho
não tenho tempo.

Canta o pássaro inútil ritmo,
os homens passam como sombras,
e o mundo é um largo e doido vento.
Não tenho tempo.

Longe, sozinha, arrebatada,
entro no círculo secreto
e a mim mesma não me pertenço.
Não tenho tempo.

Oh, tantas coisas, tantas coisas
que a alma servira com delícia...
(São nebulosas de silêncio...)
Não tenho tempo.

Lágrimas detidas – meus olhos.
Sofro, porém já não batalho
entre saudade e esquecimento.
Não tenho tempo.

Aonde me levam? Que destino
governa a delirante vida?
Nem hei de morrer como penso.
Não tenho tempo.

Tão longe esforço, e tão penoso
- e agora fechado o horizonte.
Ó vida, inefável momento,
- não tenho tempo...


In: Poesia Completa
Dispersos 


Rod Stewart - Have You Ever Seen The Rain


“O Porto é o lugar onde para mim começam as maravilhas e todas as angústias.” 

(Sophia de Mello Breyner Andresen)


Sem comentários: