sexta-feira, 22 de junho de 2012

"Algo existe" - Poema de Emily Dickinson


A Fairy Resting Among Flowers by Amelia Jane Murray 
 or Lady Oswald (1800-1896)



Algo existe 


Algo existe num dia de verão, 
No lento apagar de suas chamas, 
Que me impele a ser solene. 

Algo, num meio-dia de verão, 
Uma fundura - um azul - uma fragrância, 
Que o êxtase transcende. 

Há, também, numa noite de verão, 
Algo tão brilhante e arrebatador 
Que só para ver aplaudo - 

E escondo minha face inquisidora 
Receando que um encanto assim tão trémulo 
E subtil, de mim se escape.


Emily Dickinson
Tradução de Lúcia Olinto
In 75 Poemas de Emily Dickinson, 1999




Emily Dickinson nasceu em 10 de dezembro de 1830, na pequena cidade de Amherst, perto de Boston, no estado de Massachusetts, uma das regiões de raízes mais puritanas e conservadoras dos Estados Unidos, e morreu no mesmo local em 15 de maio de 1886. 
 
Tendo vivido e produzido à margem dos círculos literários de seu tempo, solteira por convicção e auto-exilada dentro de casa por mais de vinte anos, Emily Dickinson não chegou a publicar os seus versos, por não se submeter aos rígidos padrões de discrição e singeleza que se esperava então de uma mulher.
Sua voz era uma voz estranha em meio às tímidas dicções poéticas da época, e por essa razão ela teve de encarar em vida a rejeição de seu labor poético. 
 
Ao arrumar o quarto de Emily depois que ela morreu, a sua irmã Lavinia encontrou uma gaveta cheia de papéis em desordem. Eram cadernos e folhas soltas com uma grande quantidade de poemas inéditos. Disposta a divulgar a obra da irmã, Lavinia entrou em contato com um medíocre crítico literário, Thomas Higginson, que durante trinta anos renegou todos os versos que Emily lhe submetera, e uma obscura escritora, Mabel Todd, que por cinco anos havia frequentado a casa da poeta sem nunca chegar sequer a vê-la. 
 
Dessa improvável união de forças surgiu a publicação póstuma de alguns de seus poemas, seguida em pouco tempo de diversas outras edições, em vista da excepcional acolhida que tiveram. 
Em 1955, o crítico e biógrafo Thomas H. Johnson reuniu numa edição definitiva todos os seus 1.775 poemas. 
Daí em diante a obra de Emily Dickinson passou a ser reverenciada por uma crescente legião de críticos e leitores exigentes. 
 
Sua escrita poética, ambígua, irónica, fragmentada, aberta a várias possibilidades de interpretação, antecipa, sob muitos aspectos, os movimentos modernistas que se sucederiam depois de sua morte. 
Essa instigante poesia, nascida na solidão e no anonimato mas impregnada dos mais profundos valores humanos, dá hoje a Emily Dickinson um merecido e imorredouro lugar no cânon literário universal.

Seus versos constam da coletânea "The Complete Poems of Emily Dickinson", editada por Thomas H. Johnson, Cambridge, Mass (EUA), 1955.


Amelia Jane Murray or Lady Oswald (1800-1896)



Não digas


Não digas: “O mundo é belo” 
Quando foi que viste o mundo? 

Não digas: “O amor é triste”. 
Que é que tu conheces do amor? 

Não digas: “A vida é rápida”. 
Como foi que mediste a vida? 

Não digas: “Eu sofro”. 
Que é que dentro de ti és tu? 

Que foi que te ensinaram 
Que era sofrer? 


Cecília Meireles
In Cânticos, 1982 
Cântico VIII
 
 

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