domingo, 14 de setembro de 2014

"Algumas horas outras" - Poema de António Franco Alexandre


Ellen Jantzen, Encounter



Algumas horas outras


algumas horas outras invadiram as sedas, os perfumes 
ácidos da louça, não serão recordadas, ou quanto mais 
as recordarmos, mais a ignorância deitará 
os corpos no tapume de vidros, para que em torno 
se conciliem as vontades singulares, as 
particularidades de um impetuoso alarme. 
ou seja: deixarão as esplanadas baças, os garfos 
encolhidos, para que um amplo destino os atravesse. 
considerem, por exemplo, o paquete que ao meio-dia 
igere as minuciosas palmeiras sobre a 
alta insensatez dos aquedutos. ou ainda 
a ilusão dos alicates ao lado da água, e o seu reflexo 
do outro lado das vidraças: azul, não é? 
assim estas algumas outras horas: como esquecê-las? 


e ainda o sossego das interrogações não se deixa 
facilmente esborratar, ou a qualidade 
das tintas, assim no meio do lençol, 
o impediu até agora. algumas 
são as horas do vasto almofadão translúcido 
onde as janelas germinaram, e são 
as solenes sardinheiras ardidas 
na boca do início. soçobrando a música 
produzimos os locais inamovíveis, as persianas 
corridas sobre o papel meticuloso das suas 
amenas enseadas. não olhes, 
outras algumas horas que a madeira se parte 
e os carinhosos garfos se encolhem na gengiva. 


quem nelas arde mastigando o musgo 
fluvial, ou as longas cortinas inundadas, 
dificilmente evitará outras incertas mesas 
onde dorme. observem como estão cobertas 
pela (metáfora da) nuvem sobre o fundo 
de actos responsáveis, gracejos gratuitos, animais de 
pequeno porte. eles mesmos 
se esquecerão, no solene rebordo das horas, 
de quem foram, de quem teriam sido 
as campânulas inamovíveis, e essas feridas 
precocemente supuradas. então outros se cobrem 
com (a metáfora das) sedas mais cruéis, 
algumas outras horas que adivinham em garfos 
naufragados, o silêncio, a secura. 


observem como rapidamente esquecem, mudando de cor 
a cada rotação das ventoinhas. e ainda 
imagem é pouco fiel, dada a distância 
e o sucessivo afastamento das delicadas 
membranas, observem como 
se dividem, no instante anterior à queda. 
não se encontra explicado o sombrio abcesso 
de cólera, ou de timidez, quando as nódoas estalam 
ao frio pouco vulgar nesta estação do mês. 
ou será isto, e nada mais, o que esquecemos? 


António Franco Alexandre,
  in 'Os Objectos Principais'


António Franco Alexandre


António Franco Alexandre, poeta português, nasceu no ano de 1944, em Viseu. Em 1962, foi para Toulouse, onde fez os estudos na área da Matemática. Em 1969, os bons resultados obtidos permitiram-lhe a obtenção de uma bolsa para continuar os estudos em Harvard, nos EUA. Contudo, em 1971, voltou de novo para França, agora para Paris, onde se doutorou em Matemática. Quatro anos mais tarde, o apelo do seu país "obriga-o" a regressar e, em 1975, é convidado para professor de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 
Embora só nos anos 70, a sua obra se veja projetada no mundo literário, António Franco Alexandre publicou o seu primeiro livro intitulado A Distância, em 1969. 
De postura discreta, contrariando os "assédios" para grandes manifestações públicas, não mais deixou estagnar a sua criação literária. 
Acreditando que "se a poesia deve algo à música, não é composição, mas a arte do improviso", deu corpo e alma a diversos títulos, que permitem, hoje, considerá-lo um dos expoentes da poesia portuguesa contemporânea, sendo considerado por Óscar Lopes a melhor revelação poética dos anos oitenta (cf. Cifras do Tempo, Lisboa, 1990, p. 325). 
Em 1999, foi-lhe atribuído o prémio de poesia da Associação Portuguesa de Escritores (APE), com a publicação do livro Quatro Caprichos (Prémio Luís Miguel Nava). 
Autor de uma vasta obra, reflexo de um manifesto interesse pelas áreas da Filosofia, Ética e Estética da Literatura e da Música, assina os títulos seguintes: A Distância (1969), Visitação (1974), Dos Jogos de inverno (1974), Sem Palavras (1974), Nem Coisas (1974), Os Objetos Principais (1979), A Pequena Face (1983), As Moradas 1 e 2 (1987), Oásis (1992), Poemas (1996), Quatro Caprichos (1999), Uma Fábula (2001) e Duende (2002), vencedor do Prémio D. Dinis para poesia em 2003 e do Prémio Correntes d'Escrita em 2005.

António Franco Alexandre. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. 



Galeria de Ellen Jantzen

Ellen Jantzen, Path of Plenty, 2012



In “Disturbing the Spirits” 

«I am using imagery to convey my feelings about the state of nature, the nature of trees, and how to express their connection to past, present and future. By obscuring a portion of the image through a veil, I strive to heighten the remaining reality through discovery and reflection.» - Ellen Jantzen


Ellen Jantzen, Convergence


In “Transplanting Reality; Transforming Nature”

«The natural world can be experienced on many levels, from the reality of a mountain to the ethereal essence of living beings. Trees, specifically, have always played a major role in my appreciation of nature. Trees produce the oxygen needed for our breath; we provide carbon dioxide for the trees…. a lovely symbiosis.» - Ellen Jantzen


Ellen Jantzen, Extravagance


«Forests and trees have also played a prominent role in many folktales and legends and have been given deep and sacred meanings. They are seen as powerful symbols of growth, decay and resurrection. But, with the depletion of forests and the resulting impact on humankind, how we respond will determine our future.» - Ellen Jantzen


Ellen Jantzen, Imagination


«In this series I am addressing my concerns by transplanting replica trees into the natural world. These trees take the form of a constructed likeness or of a ghostly apparition. One is artificial, the other a spirit form; both represent the transformation of nature.» - Ellen Jantzen


Ellen Jantzen, Attaining Shadow, 2012


Jantzen Ellen, Taking Precautions, 2012


Jantzen Ellen, Safeguarding Poppies, 2012


Jantzen Ellen, In the Field of Gold, 2012


Jantzen Ellen, Losing the Way, 2012


Ellen Jantzen, Incarnation, 2012


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