terça-feira, 9 de junho de 2015

"Balada das vinte meninas " - Poema de Matilde Rosa Araújo


Ilustração de Cristina Malaquias (daqui)



Balada das vinte meninas 


Vinte meninas, não mais, 
Eu via ali no beiral:
Tinham cabecinha preta
E branquinho o avental.

Vinte meninas, não mais,
Eu via naquele muro:
Tinham cabecinha preta,
Vestidinho azul escuro.

Vinte meninas, não mais,
Na torre acima de tudo:
Tinham cabecinha preta,
e capinha de veludo.

Vinte meninas, não mais,
No alto da ramaria:
Tinham cabecinha preta,
Peúga de fantasia.

As minhas vinte meninas,
Capinhas dizendo adeus,
Chegaram na Primavera
A acenaram lá dos céus.

As minhas vinte meninas
Dormiam quentes num ninho
Feito de amor e de terra,
Feito de lama e carinho.

As minhas vinte meninas
Para o almoço e o jantar
Tinham coisas pequeninas,
Que apanhavam pelo ar.

As minhas vinte meninas
Com roupinha de cotio,
Chegaram na Primavera
Pois vinham fugindo ao frio

Já passou a Primavera
Suas horas pequeninas:
E houve um milagre nos ninhos.
Pois foram mães, as meninas!

Eram ovos redondinhos
Que apetecia beijar:
Ovos que continham vidas
E asinhas para voar.

Já não são vinte meninas
Que a luz do Sol acalenta.
São muitas mais! muitas mais!
Não são vinte, são oitenta!

Depois oitenta meninas
Eu via ali no beiral:
Tinham cabecinha preta
E branquinho o avental.

Depois oitenta meninas
Eu via naquele muro:
Tinham cabecinha preta,
Vestidinho azul escuro.

Depois oitenta meninas
No alto da ramaria:
Tinham cabecinha preta,
Peúga de fantasia.

Mas as oitenta meninas,
Capinhas dizendo adeus,
Em certo dia de Outono
Perderam-se pelos céus.

Depois oitenta meninas
Na torre acima de tudo:
Tinham cabecinha preta,
e capinha de veludo.

E as minhas tantas meninas
Lá voaram, uma a uma:
E eu fiquei cheia de frio
E não voltou mais nenhuma…


Matilde Rosa Araújo




Escritora e pedagoga portuguesa, de seu nome completo Matilde Rosa Lopes de Araújo, nasceu em 1921, em Lisboa, e faleceu a 6 de Julho de 2010, na sua casa, em Lisboa. Tendo feito os seus estudos liceais com professores particulares, licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa em 1945. Teve ainda uma apurada formação musical, com a frequência do Curso Superior do Conservatório da mesma cidade.
Personalidade sempre ligada à escrita e ao ensino, foi professora do Ensino Técnico-Profissional durante longos anos, encarregando-se também da formação de professores, nomeadamente na Escola do Magistério Primário de Lisboa e no âmbito da literatura para a infância. Enquanto cidadã, tem-se ainda dedicado, no decorrer da sua vida, aos problemas da criança e à defesa dos seus direitos.
Tendo iniciado a sua vida literária ainda no tempo da frequência universitária, Matilde Rosa Araújo colaborou abundantemente em várias publicações periódicas ao longo das décadas seguintes. Por outro lado, o conjunto dos seus livros (de poesia e narrativa) constitui um dos mais significativos trabalhos de sempre da literatura portuguesa para e sobre a infância e a juventude. De entre as cerca de três dezenas de títulos publicados, merecem destaque, pela fina sensibilidade que revelam à vivência da infância, obras como O Livro da Tila (1957), O Palhaço Verde (1962), História de um Rapaz (1963), O Reino das Sete Pontas (1974), A Velha do Bosque (1983) e, de 1994, As Fadas Verdes e O Chão e a Estrela.
Matilde Rosa Araújo recebeu vários prémios de relevo no domínio da literatura para a infância. Em 1980, foi-lhe atribuído o Grande Prémio de Literatura para a Infância da Fundação Calouste Gulbenkian (ex aequo). Em 1991 ganhou, no Brasil, um prémio para o melhor livro estrangeiro, atribuído a O Palhaço Verde pela Associação Paulista de Críticos de Arte. O seu livro de poemas As Fadas Verdes recebeu, em 1996, a distinção da Fundação Calouste Gulbenkian para o melhor livro para a infância publicado no biénio 1994-1995.
A autora publicou também textos de ficção para adultos e obras que demonstram as suas qualidades de pedagoga. São de sua autoria alguns volumes sobre a importância da infância na criação literária para adultos e sobre a importância da literatura infanto-juvenil na formação da criança, na educação do sentimento poético como raiz pedagógica de valia.
Em maio de 2004 foi distinguida com o Prémio Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores. (daqui)


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