terça-feira, 30 de junho de 2015

"Indefinida" - Poema de Natércia Freire


Peter Paul Rubens, Venus at the Mirror, 1615
 
 

Indefinida
 

Oh, poesia de andar
suspensa sobre os outeiros!
Poesia de correr
fundida nos ribeiros…
Oh, Poesia de ti,
que em mim estás a viver!
Oh, Poesia de então,
nos jardins, sob o Inverno,
pés na lama do chão,
e o dia, um dia eterno
de Poesia, a morrer!...

Poesia dos murmúrios,
dos nevoeiros densos,
dos silêncios sem luz,
dos pecados imensos,
sem gestos, qual a morte,
qual a ausência, sem vida.

Poesia de fechar
os olhos alagados
da Poesia de ti,
dos teus olhos fechados;
Poesia de ser virgem
e casta e indefinida…

Poesia dos passeios
por entre a claridade,
entre árvores tão esguias
que tocavam os Céus,
e as folhas a cair
de um oiro sem idade…

Poesia fabulosa,
de uma riqueza enorme…
Uma Poesia fina,
alada, misteriosa;
Poesia de um passado
que em mim nunca mais dorme!

Poesia perturbada,
Poesia abandonada.
Poesia na prisão,
sufocada, esquecida,
Poesia recalcada,
Poesia maltratada.
Oh, Poesia troçada
da jovem bem-casada
na poesia da vida!…

Ai, dias sem desígnio!
Ai, noites de mistério!
Poesia de ser virgem
e casta e indefinida!... 


Natércia Freire
,
in “Anel de Sete Pedras”



Peter Paul Rubens, The Three Graces, 1635, Prado
 
 
Passei os pinhais sombrios
as searas mais os rios,
os salgueiros sossegados,
os ventos mais apressados,
as mais líricas montanhas
e as paisagens mais estranhas,
e só fui o que quis ser:
um espaço longo e deserto
num destino de mulher. 

 

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