segunda-feira, 7 de setembro de 2015

"O Trabalho" - de Khalil Gibran


Johannes VermeerA leiteira (c. 1658-1660)



O Trabalho
(Do Livro "O Profeta")


Então, um lavrador disse: “Fala-nos do trabalho”.
E ele respondeu:

“Vós trabalhais para acompanhar o ritmo da terra, e da alma da terra.
Porque ser indolente é tornar-se um estranho às estações e afastar-se do cortejo da vida, que avança com majestade e orgulhosa submissão rumo ao infinito.
Quando trabalhais, sois uma flauta através da qual o murmúrio das horas se transforma em melodia.
Quem de vós aceitaria ser um caniço mudo e surdo quando tudo o mais canta em uníssono?
Sempre vos disseram que o trabalho é uma maldição; o labor, uma desgraça.
Mas eu vos digo que, quando trabalhais, realizais parte do sonho da terra, desempenhando assim uma missão que vos foi designada quando esse sonho nasceu.
E, apegando-vos ao trabalho, estais na verdade amando a vida. E quem ama a vida através do trabalho, partilha do segredo mais íntimo da vida.
Mas se em vossas dores, chamais o nascimento uma aflição e a necessidade de suportar a carne, uma maldição inscrita na vossa fronte, então eu vos direi que só o suor de vossa fronte lavará esse estigma.
Disseram-vos que a vida é escuridão; e no vosso cansaço, repetis o que os cansados vos disseram.
E eu vos digo que a vida é realmente escuridão, exceto quando há um impulso.
E todo impulso é cego, exceto quando há saber.
E todo saber é vão, exceto quando há trabalho.
E todo trabalho é vazio, exceto quando há amor.
E quando trabalhais com amor, vós vos unis a vós próprios e uns aos outros, e a Deus.
E o que é trabalhar com amor?
É tecer o tecido com fios desfiados de vosso próprio coração, como se vosso bem-amado tivesse que usar esse tecido.
É construir uma casa com afeição, como se vosso bem-amado tivesse que habitar essa casa.
É semear as sementes com ternura e recolher a colheita com alegria, como se vosso bem- amado fosse comer-lhes os frutos.
É por em todas as coisas que fazeis um sopro de vossa alma.
E saber que todos os abençoados mortos vos rodeiam e vos observam.
Muitas vezes ouvi-vos dizer como se estivésseis falando em sonho: “Aquele que trabalha no mármore e encontra na pedra a forma de sua alma, é mais nobre do que aquele que lavra a terra.
E aquele que agarra o arco-íris e o estende na tela em formas humanas, é superior àquele que confecciona sandálias para nossos pés”.
Porém eu vos digo, não em sono, mas no pleno despertar do meio-dia, que o vento não fala com maior doçura aos carvalhos gigantes do que à menor das folhas da relva;
E grande é somente aquele que transforma o ulular do vento numa canção tornada mais suave pelo seu próprio amor.
O trabalho é o amor feito visível.
E se não podeis trabalhar com amor, mas somente com desgosto, melhor seria que abandonásseis vosso trabalho e vos sentásseis à porta do templo a solicitar esmolas daqueles que trabalham com alegria.
Pois se cozerdes o pão com indiferença, cozereis um pão amargo, que satisfaz somente a metade da fome do homem.
E se espremerdes a uva de má vontade, nossa má vontade se destilará no vinho como veneno.
E ainda que canteis como os anjos, se não tiverdes amor ao canto, tapais o ouvido do homem às vozes do dia e às vozes da noite.


Khalil Gibran, Excertos de O Profeta"

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