segunda-feira, 5 de setembro de 2016

"Luar de Janeiro" - Poema de Augusto Gil


Marcel Rieder  (1862-1942), A vigil by the sea, Côte d'Azur


Luar de Janeiro
                   
                     A Coelho de Carvalho
 Tout court, porque não há adjetivos
que não empalideçam ante a claridade dos seus talentos.

Luar de Janeiro,
Fria claridade

À luz dele foi talvez
Que primeiro
A boca dum português
Disse a palavra saudade...

Luar de platina;
Luar que alumia
Mas que não aquece,
Fotografia
De alegre menina
Que há muitos anos já... envelhecesse.

Luar de Janeiro,
O gelo tornado
Luminosidade...
Rosa sem cheiro,
Amor passado
De que ficou apenas a amizade...

Luar das nevadas,
Álgido e lindo,
Janelas fechadas,
Fechadas as portas,
E ele fulgindo,
Límpido e lindo,
Como boquinhas de crianças mortas,
Na morte geladas
-E ainda sorrindo...

Luar de Janeiro,
Luzente candeia
De quem não tem nada,
-Nem o calor dum braseiro,
Nem pão duro para a ceia,
Nem uma pobre morada...

Luar dos poetas e dos miseráveis...
Como se um laço estreito nos unisse,
São semelháveis
O nosso mau destino e o que tens;

De nós, da nossa dor, a turba - ri-se
- E a ti, sagrado luar... ladram-te os cães!


in Luar de Janeiro, 1909


Marcel Rieder, Moonlight on Annecy's lake


Lua na água
alguma lua
lua alguma



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