terça-feira, 8 de novembro de 2016

"A Encomenda do Silêncio" - Poema de Alberto Pimenta


William Anderson Coffin (1855-1925), Après Le Petit Déjeuner


A Encomenda do Silêncio


Já reparaste que tens o mundo inteiro 
dentro da tua cabeça 
e esse mundo em brutal compressão dentro da tua cabeça 
é o teu mundo 
e já reparaste que eu tenho o mundo inteiro 
dentro da minha cabeça 
e esse mundo em brutal compressão dentro da minha cabeça 
é o meu mundo 
o qual neste momento não te está a entrar pelos olhos 
mas através dos nomes 
pois o que tu tens dentro da tua cabeça 
e o que eu tenho dentro da minha cabeça 
são os nomes do mundo em brutal compressão 
como um filtro ou coador 
de forma que nem és tu que conheces o mundo 
nem sou eu que conheço o mundo 
mas os nomes que tu conheces é que conhecem o mundo 
e os nomes que eu conheço é que conhecem o mundo 
o qual entra em ti e o qual entra em mim 
através dos nomes que já tem 
de forma que o que entra pelos meus olhos não pode 
entrar pelos teus olhos 
mas só pela tua cabeça através 
dos nomes dados pela minha cabeça 
àquilo que entrou pelos meus olhos já com nomes 
e do mesmo modo 
o que entra pelos teus olhos não pode 
entrar pelos meus olhos 
mas só pela minha cabeça através 
dos nomes dados pela tua cabeça 
àquilo que entrou pelos teus olhos já com nomes 
e assim o que tu vês 
já está normalmente dentro de ti antes de tu o veres 
e assim o que eu vejo 
já está normalmente dentro de mim antes de eu o ver 
e tudo quanto tu possas ver para aquém ou para além dos nomes 
é indizível e fica dentro de ti 
e tudo quanto eu possa ver para aquém ou para além dos nomes 
é indizível e fica dentro de mim 
e é assim que vamos construindo a nós mesmos pela segunda vez 
tu a ti e eu a mim... 
construindo urna consciência irrepetível e intransmissível 
cada vez mais intensa e em si 
tu em ti eu em mim 
no entanto continuando a falar um com o outro 
tu comigo e eu contigo 
cada um 
tentando dizer ao outro 
como é o mundo inteiro que tem dentro da cabeça 
e porque é e para que é 
tu o teu mundo que tens dentro da tua cabeça 
eu o meu mundo que tenho dentro da minha cabeça 
até que morra um de nós 
e depois o outro... 


 in 'As Moscas de Pégaso'

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