sexta-feira, 18 de novembro de 2016

"O Único Mistério do Universo é o Mais e não o Menos" - Poema de Alberto Caeiro


Anna Palm de Rosa (1859-1924), Speeding ticket, Bois de Boulogne (Paris)



O Único Mistério do Universo é o Mais e não o Menos


No dia brancamente nublado entristeço quase a medo 
E ponho-me a meditar nos problemas que finjo... 

Se o homem fosse, como deveria ser, 
Não um animal doente, mas o mais perfeito dos animais, 
Animal direto e não indireto, 
Devia ser outra a sua forma de encontrar um sentido às coisas, 
Outra e verdadeira. 
Devia haver adquirido um sentido do «conjunto»; 
Um sentido, como ver e ouvir, do «total» das coisas 
E não, como temos, um pensamento do «conjunto»; 
E não, como temos, uma ideia do «total» das coisas. 
E assim - veríamos - não teríamos noção de conjunto ou de total, 
Porque o sentido de «total» ou de «conjunto» não seria de um «total» ou de um «conjunto» 
Mas da verdadeira Natureza talvez nem todo nem partes. 

O único mistério do Universo é o mais e não o menos. 
Percebemos demais as coisas - eis o erro e a dúvida. 
O que existe transcende para baixo o que julgamos que existe. 
A Realidade é apenas real e não pensada. 
O Universo não é uma ideia minha. 
A minha ideia do Universo é que é uma ideia minha. 
A noite não anoitece pelos meus olhos. 
A minha ideia da noite é que anoitece por meus olhos. 
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos 
A noite anoitece concretamente 
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso. 

Assim como falham as palavras quando queremos exprimir qualquer pensamento, 
Assim falham os pensamentos quando queremos pensar qualquer realidade. 
Mas, como a essência do pensamento não é ser dita, mas ser pensada, 
Assim é a essência da realidade o existir, não o ser pensada. 
Assim tudo o que existe, simplesmente existe. 
O resto é uma espécie de sono que temos, 
Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença. 

O espelho reflete certo; não erra porque não pensa. 
Pensar é essencialmente errar. 
Errar é essencialmente estar cego e surdo. 

Estas verdades não são perfeitas porque são ditas, 
E antes de ditas, pensadas: 
Mas no fundo o que está certo é elas negarem-se a si próprias 
Na negação oposta de afirmarem qualquer coisa. 
A única afirmação é ser. 
E ser o oposto é o que não queria de mim... 


Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" 
Heterónimo de Fernando Pessoa



Anna Palm de Rosa (1859-1924), The royal palace in Stockholm


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