sábado, 15 de abril de 2017

"O Pai" - Poema de Pablo Neruda


Luděk Marold (1865-1898), Man sitting on a divan, c. 1898



O Pai


Terra de semente inculta e bravia, 
terra onde não há esteiros ou caminhos, 
sob o sol minha vida se alonga e estremece. 

Pai, nada podem teus olhos doces, 
como nada puderam as estrelas 
que me abrasam os olhos e as faces. 

Escureceu-me a vista o mal de amor 
e na doce fonte do meu sonho 
outra fonte tremida se reflete. 

Depois... Pergunta a Deus porque me deram 
o que me deram e porque depois 
conheci a solidão do céu e da terra. 

Olha, minha juventude foi um puro 
botão que ficou por rebentar e perde 
a sua doçura de seiva e de sangue. 

O sol que cai e cai eternamente 
cansou-se de a beijar... E o outono. 
Pai, nada podem teus olhos doces. 

Escutarei de noite as tuas palavras: 
... menino, meu menino... 

E na noite imensa 
com as feridas de ambos seguirei.


Pablo Neruda, in "Crepusculário" 
Tradução de Rui Lage


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