quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

"Os problemas de um livro" - Poema de Laura Riding


Charles Courtney Curran, An Afternoon Respite, 1894, Private collection


Os problemas de um livro

 
O problema de um livro é, primeiro, não ser 
Pensamentos para ninguém 
E ficará tão inescrito 
Quanto permanecerá não lido 
E construir um autor palavra por palavra 
E ocupar sua cabeça 
Até que a cabeça feche pra balanço 
Para publicar a todos 
Seu esvaziamento. 

O segundo problema de um livro 
É ficar desperto e pronto 
À escuta como um dono de pousada 
Querendo, não querendo hóspedes, 
Indeciso entre a esperança de folga nenhuma 
E a esperança de folga. 
Vacilantes, as páginas cochilam 
E piscam para os dedos que passam 
Com sorriso proprietário, e fecham-se. 

O terceiro problema de um livro é 
Dar seu sermão e virar as costas 
Suscitando comoção nas margens 
Onde a língua cruza o olho, 
Sem declarar nenhuma experiência de pânico, 
Nenhuma cumplicidade neste tumulto. 
A provação de um livro é não dar pistas 
De ser provação, é ser neutro e leigo 
No sentido reto do impresso. 

O problema de um livro, principalmente, 
É ser só livro na superfície; 
Vestir capa como capa, 
Se enterrar em morte-livro 
Mas se sentir tudo menos livro, 
Respirar palavras vivas, mas com o hálito 
Das letras; endereçar vivacidade 
Nos olhos que lêem, ser respondido 
Com letras e livrescidade.


Laura Riding, "Mindscapes - poemas"
Seleção, tradução e introdução de Rodrigo Garcia Lopes,
São Paulo: Iluminuras, 2004.
 

Charles Courtney Curran, Fair Critics, 1887, The Metropolitan Museum of Art


"Um pintor não tem outros inimigos sérios senão os seus piores quadros."



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